Escola [bica-aquífero] mundo é um (co)laboratório. Laboratório é infraestrutura em que saberes e fazeres são testados e trocados; como diz a própria etimologia, é um lugar em que são feitas experiências. Adicionalmente, compreendemos (co)laboratório como uma disposição (dispositio), arranjo ou agenciamento de atores humanos e não-humanos (LATOUR; WOOLGAR, 1997), e como abertura, movimento que produz experiência – no sentido oposto à experimento (BONDÍA, 2002).
O projeto se inicia como experiência de comunicação – com a qual Paulo Freire (1975) substitui a ação de extensão – e, só então, de ensino e pesquisa. Não há, portanto, um saber acadêmico e ilustrado a ser estendido à sociedade, mas saberes e práticas a serem compartilhadas entre atores. A experiência vem sendo realizada desde 2024 em São Carlos – município de porte médio do interior do estado de São Paulo, membro da Associação Internacional de Cidades Educadoras e reconhecido por suas universidades, centros de pesquisa e inovação -, em parceria com o Clube de Ciências da Escola Estadual Profa. Elydia Benetti.
Defendemos, em consonância com o debate que trouxemos sobre o par extensão-comunicação que uma característica fundante da ciência cidadã deva ser a co-criação, pela qual saberes, fazeres e resultados de um projeto devem construir sentidos que se articulam com as realidades dos partícipes.
Em linha com as noções de comunicação e de ciência cidadã pontuadas, como pesquisadores interessados nos diálogos interdisciplinares entre arte e ciência, outra questão laboratorial que se fez presente foi a incorporação das poéticas no processo de trabalho. Tendo por referência proposições experimentais e participativas investigadas pelas artes desde há muito tempo, um campo exploratório de práticas dialógicas e poéticas se instala na fricção com as ditas ciências, o qual temos denominado como arte-ciência cidadã dado seu caráter estético-político por meio de um comum partilhado.
O projeto vem se estruturando em oficinas e práticas de pós-produção dos materiais desenvolvidos, tais como website, folder, e-book e vídeo, endereçados a cidadãos, escolas, gestores públicos e acadêmicos, no sentido da amplificação dos temas abordados e conscientização de um maior número de pessoas acerca de práticas de cuidado e de saúde planetária, assim como de um território educativo e vivencial de relevância para o contexto da cidade de São Carlos, o Parque do Bicão.
É neste parque, tão importante para uma cidade carente de áreas verdes e de lazer, e tão degradado em termos infraestruturais e ambientais, que o projeto se aterra em suas dimensões físicas e poéticas, em um conjunto de associações escalares. A escola está situada ao lado do Parque do Bicão, onde se encontra a nascente do Córrego do Medeiros, corpo d’água que dá nome a uma das onze microbacias da cidade de São Carlos. Por sua vez, 72% da área do município é definida como de afloramento e recarga do Aquífero Guarani, considerado o maior reservatório de água doce do mundo, que se espraia por trechos dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e países vizinhos como Paraguai, Argentina e Uruguai, ocupando uma área de 1.200.000 km². Portanto, pelo par bica-aquífero, a escola se conecta ao mundo.
O projeto escola [bica-aquífero] mundo evidencia o potencial de expansão da ciência cidadã quando articulada com práticas artísticas capazes de religar o sensível ao cotidiano, despertando percepções, reflexões e trocas entre crianças, jovens, educadores e comunidades. Desse (co)laboratório, emerge uma arte-ciência cidadã que se consolida como caminho possível de transformação tanto no território quanto na sala de aula, gerando engajamento e construção coletiva de sentidos diretamente vinculados com as noções e experiências de vida vinculadas ao cuidado, à coabitação e à saúde planetária.
As possibilidades de articulação entre comunicação (Freire, 1975), ensino e pesquisa do projeto vem ganhando reverberações na universidade e na cidade. Enquanto escola [bica-aquífero] mundo: lugares de aprendizado entre o Parque do Bicão e o Aquífero Guarani recebeu o Prêmio USP de Melhores Práticas de Extensão 2025 e Moção de Congratulação da Câmara Municipal de São Carlos, escola [bica-aquífero] mundo: cartografias de coabitações multiespécies foi selecionado no Edital SustentaUSP 2025 das Pró-reitorias de Cultura e Extensão e de Pesquisa e Inovação da USP.
Referências
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, ANPEd, n. 19, p. 20-28, abr. 2002.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? São Paulo: Paz e Terra, 1975.
LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1997.