Como pensar as relações entre humanos e não-humanos nas cidades? O que dizem as formas de coabitação mais-que-humanas em nossas residências? Neste mapa a cidade se converte em jardim. Um jardim que reúne plantas escolhidas por 80 participantes do projeto, entre professores e alunos de 8 a 10 anos da Escola Estadual Profa. Elydia Benetti.
Cada uma dessas plantas é representada por seu lugar de existência, desenhos realizados pelos participantes e informações sistematizadas por eles, tais como nome popular e nome científico, tipo de moradia, local da planta na moradia, origem no planeta, aspectos ecológicos e culturais, e motivação para inclusão no jardim.
Um jardim revelador de relações entre cultura e natureza tão presentes nos dias atuais, constitutivas de formas de vida que excedem a situação cartografada. Por um conjunto de fatores que a leitura do projeto permite apreender, como humanos temos coabitado com o que chamamos de natureza apenas após um conjunto de ações de mediação técnica e de domesticação.
A legenda abaixo indica algumas das nuances dessas mediações presentes no jardim, composto de plantas ornamentais, frutíferas e medicinais, e outras às quais são atribuídos valores sentimentais, místicos/religiosos.
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Diante das mediações cultura-natureza que modulam nossas formas de vida e que vêm contribuindo para a emergência de um novo regime climático, como pensar e agir de forma situada e criativa? Nesta etapa do projeto, iniciando com reflexões sobre futuros multiespécies, os 23 alunos do Clube de Ciências da Escola Estadual Profa. Elydia Benetti foram convidados a escrever fábulas imaginando transformações a partir do Parque do Bicão.
Dessas fábulas foram selecionadas expressões poéticas e que incorporam ambivalências. Com estas frases, compusemos placas que foram instaladas em lugares específicos na escola e no parque de forma que pudessem nesses lugares fazer ecoar outras formas de ler o contexto existente.
Abaixo podem ser conferidas as placas e seus locais de inserção na escola e no parque.
Como expressar possibilidades poéticas de resistência e invenção em futuros multiespécies? Nesta etapa do projeto, os 23 alunos do Clube de Ciências da Escola Estadual Profa. Elydia Benetti se converteram em mediadores do projeto, replicando atividades com a comunidade escolar. Foram produzidas fábulas e desenhos de futuros multiespécies a partir do Parque do Bicão. Desenhos e frases dessa etapa – expressões poéticas e que incorporam ambivalências – são apresentados junto aos que já haviam sido produzidos na oficina. O conjunto nos apresenta 90 imagens – entre placas e desenhos – resultantes da participação de 80 pessoas da comunidade escolar, alunos e professores, engajados nas reflexões e ações propostas pelo projeto voltadas às coabitações multiespécies.
Preservando a relação escola-bica como o núcleo gerador de nossas atividades, a segunda oficina parte de considerações acerca das relações entre atores humanos e não-humanos presentes no território, as quais vêm produzindo um contexto urbano caracterizado por altos índices de impermeabilização do solo, ilhas de calor, número crescente de inundações, dentre outros. A proposta buscou construir por meio de práticas de arte-ciência cidadã um projeto cultural-ambiental que potencializasse compreensões acerca das coabitações multiespécies da comunidade escolar da Escola Estadual Elydia Benetti, em São Carlos, e plantas diversas escolhidas pelos participantes para convivência e cuidado.
Em setembro de 2025, com o mesmo arranjo institucional, e novamente em cinco dias, a oficina foi organizada a partir de cinco verbos: reconhecer, localizar, imaginar, germinar a escola e germinar a bica. Passamos então a reconhecer as formas de coabitações multiespécies instaladas entre os participantes. Tendo como foco as relações entre eles e as plantas, as crianças realizaram um desenho da planta e um desenho dela em seu habitat doméstico. Na sequência, pesquisaram e preencheram uma ficha, contendo os seguintes itens: nome popular e nome científico da espécie, endereço da planta, tipo de residência (casa, apartamento, sítio), local da planta na moradia, origem no planeta, aspectos ecológicos e culturais, e justificativa da escolha da planta.
Esta etapa trouxe um conjunto interessante de dados, dentre os quais que a maioria das crianças mora em residências, que as plantas são de pequeno porte, estão em vasos normalmente robustos, sobre chãos impermeáveis e móveis na cozinha ou no quintal; ou ainda, que algumas residências não possuem plantas pelo fato de que os adultos da casa tem alto comprometimento de seu tempo com o trabalho e o sustento familiar, não havendo disponibilidade para o cuidado de plantas [1].
Localizar compreendeu um conjunto de atividades com mapas produzidos pela equipe, articulando as escalas da escola e do parque, com a hidrografia da cidade e seus biomas, além de mapas dos biomas presentes no estado, no país, no continente e no planeta, e de uma maquete do relevo e das bacias hidrográficas de São Carlos [2]. Em seguida, com o apoio da equipe, cada criança localizou no mapa da cidade o lugar em que vive sua planta; e como resultado, o mapa coletivo passou a enunciar a abrangência territorial dessas localizações no município, como que orbitando ao redor da escola-bica. Discutimos ainda que compreender os múltiplos lugares em que se coabita e suas interrelações é uma forma de se sensibilizar em termos planetários. De forma poética, chamamos este mapa de “jardim das plantas domesticadas”.
A partir do reconhecimento e da localização dos seres e de suas coabitações, passamos à etapa do imaginar. O desafio proposto foi o de imaginarmos futuros das coabitações multiespécies a partir da relação escola-bica, e da atuação do jardim das plantas domesticadas. Novamente aqui utilizamos da potência de imaginários que uma dimensão fabular pode abrigar. E um desenho deveria expressar essa visão fabular de futuro.
Dessas fábulas escritas pelas crianças, foram escolhidas expressões ambivalentes ou com possibilidades de aberturas de sentidos poéticos, a serem utilizadas nas próximas etapas do projeto. Com essas expressões, a equipe do projeto produziu máscaras-cartazes em papel colorido cortadas a laser no Laboratório de Modelos e Maquetes do IAU-USP e o mesmo número de placas de madeira a receberem as inscrições por meio de técnica de stencil. No quarto dia, os stencils foram aplicados pelas crianças nas placas de madeira, como preparação para as atividades do último dia. Em seguida, utilizando as máscaras-cartazes sobressalentes, iniciamos a atividade de germinar a escola. Após discutirmos os sentidos das frases e de que elas podem ter seus sentidos transformados e transformar lugares quando são dispostas em lugares específicos – site specifics fenomenológicos e discursivos, nos dizeres de Miwon Kwon (2002) -, partindo da Paineira, saímos a germinar a escola com a muvuca de sementes poéticas. Chão, paredes, troncos de árvores, os arredores de um ninho de abelhas jataí e jardineiras foram germinados.
No último dia, de posse das placas de madeira gravadas, saímos como que em passeata, pelas ruas entre a escola e o Parque do Bicão. Uma vez lá, seguimos em expedições para reconhecimento dos lugares e implantação das placas em lugares específicos fazendo germinar o parque com as muvucas de sementes poéticas. Simbolicamente, chamamos ambas ações de germinação de “inserções em circuitos geopoéticos”.
Como um diferencial em relação à primeira oficina, as atividades “reconhecer”, “localizar” e “imaginar” foram replicadas com a comunidade escolar tendo as crianças do Clube de Ciências da escola como tutoras, incorporando mais alunos e professores interessados em se juntar ao projeto. Ao conjunto de desenhos oriundos das fábulas e de expressões delas selecionadas realizados por todos os participantes do projeto, chamamos “cultivo de futuros multiespécies”.
O “jardim de plantas domesticadas”, as “inserções em circuitos geopoéticos” e “cultivo de futuros multiespécies” compõem as três partes da cartografia de coabitações multiespécies proposta.
[1] Nestes casos, as crianças escolheram plantas a interagir e a estudar.
[2] Gentilmente cedida pelo Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP – https://cdcc.usp.br/.
Referências
KWON, Miwon. One place after another : site-specific art and locational identity. Cambridge: The MIT Press, 2002.
Coordenação
David Sperling, Carol Tonetti, Ivete Camargo de Araújo, Heloisa Crnkovic
Coordenação Adjunta
Fabiana Oliveira Palmeira, Mariana Turati de Oliveira, Marina Biazotto Frascareli
Professores convidados
António Saraiva (IEA-USP) e Rodrigo Martin-Iglesias (FADU-UBA)
Tutoria – Alunos de Graduação IAU-USP
Emanuelle Zapparolli Rodrigues Barili, Hellen Beatriz de Sousa Sales, Luiz Gabriel de Osti, Maria Luiza Vitor Lage, Milene Jaice Estrela Zacarelli, Vitória Pires da Silva
Alunos e Professores Escola Estadual Professora Elydia Benetti
Aline Cobra, Amanda Gobato, Ana Clara Barroso P. dos Santos, Ana Clara Dutra Pagani, Ana Julia Batista da Silva, Ana Laura Dantas, Anna Luisa Magdalena da Silva, Arthur Mendes, Beatriz Cristina de Oliveira, Brayan Marcio Barboza de Oliveira, Calebe dos Santos Gomes, Daniela Orlandi, Fernandes Munno, Danilo Rabello Arioli, Derek Valboeno da Silva, Dyeisa Kethilyn Duarte, Eliane Souza, Elias de Lima Alves da Silva, Emilly Calchi Brunelli Gomes da Silva, Enzzo Wallentim Lima Rios, Esther de Souza Nazaro, Esther Pereira Soares, Gabriel Lopes Vieira, Gael Dantas Barreto Rodrigues, Guilherme Alves Boaventura, Guilherme Crnkovic Achui, Helena Rodrigues Eugenio, Heloisa Carocci Crnkovic, Heloisa Cortez Gomes, Isabella Carvalho Rodrigues, Isabelle da Silva, Isabelly Sena Pereira, Isadora Aparecida da Silva Mattos, Isadora Villela Strutz, João Pedro Vieira Tanese, Jonas Otávio Bento Lima, Julia Félix da Sliva, Juliana Ferro Sequini, Juliana Melissa, Rosendo Gaudêncio, Kemilly Moura do Amaral, Ketellen Victoria da Silva, Kevyn Melo do Nascimento Inacio, Lara Barbosa Zambon, Lara Vieira Melo, Larissa Dias da Silva, Letícia Borges Santos Silva, Leticia da Silva Carlos, Lívia Rodrigues Dias, Lorenzo de Castro Almeida, Manuela Melo Rodrigues, Manuela Melo Rodrigues, Manuella Gomes da Silva, Maria Cecília de Souza, Maria das Graças Ribeiro de Souza, Maria Flor Dias, Maria Laura Moura, Maria Vitória Berroca da Silva, Mariah Ferreira dos Santos, Miguel Moreira Ferro, Miguel Nogueira da Silva, Millena Scatamburgo Marques, Miriã H. S. Rodrigues, Murilo Serantola da Silva, Nathaly Sales Silva, Nicolas Lopes da Silva, Nicolly Gomes Leal, Núbia Silva Cavalcante Camargo, Patrícia Aparecida da Silva Sales, Pedro Fernandes Possato, Pedro Henrique Santos da Silva, Rafael Ulian de Oliveira, Rafaella Oliveira Santineli, Rose Rios, Rosimeire da Silva Melo, Rozilda dos Santos, Sabrina Aparecida Parrelli, Saori H. B. de Souza, Simone Eufrásio Silva, Sophia Vitória Morais, Theo Kanebley de Moraes, Vitor Gabriel Pereira Gonçalves, Yasmin Faria Carmona
Participantes Vinculados Ao Projeto Probral Capes-daad “Planet-abilidade: Integrar a Saúde Planetária e a Coabitação Multiespécies no Design e Pesquisa Urbana”
António Saraiva, David Sperling, Carol Tonetti
Instituições Envolvidas
Escola Estadual Professora Elydia Benetti
Universidade de São Paulo
Polo São Carlos do Instituto de Estudos Avançados da Usp (IEA-USP)
Grupo Arte Ciência Tecnologia (ACT>IEA-USP)
Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU-USP)
Núcleo de Estudos das Espacialidades Contemporâneas (NEC-IAU-USP)
Grupo Saúde Planetária (IEA-USP)
Cátedra Martius (DAAD-USP)
Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo – Universidad de Buenos Aires (FADU-UBA)
Diretoria de Ensino – Regional de São Carlos (Governo do Estado de São Paulo)
Escola[bica-aquífero]mundo: cartografias de coabitações multiespécies está vinculado ao Programa de Atividades Extensionistas Curriculares da USP. O projeto foi selecionado no Edital SustentaUSP 2025 das Pró-reitorias de Cultura e Extensão e de Pesquisa e Inovação da USP.